a vida e a morte

Um leve toque, um leve corte, as coisas podiam ter acabado ali, era no minimo fácil.
A dor era passageira comparada com a que era sentida, nem precisava de sangrar muito, só o suficiente para pôr um ponto final naquela situação, naquela indecisão entre o certo e o errado, a necessidade e o capricho, a vida e a morte (...)
Correram lágrimas sinceras do seu rosto, sentia-se aliviada e ao mesmo tempo presa, continuava a haver qualquer coisa que a mantia ali, qualquer coisa que a impedia de rasgar a pele sensível com a ponta de metal afiada e acabar com todo o sofrimento, a razão era que ele também a amava e por isso mesmo ela via-se obrigada a pensar duas vezes antes de tomar qualquer decisão.
Ouvia na sua cabeça o eco das vozes que lhe tinham dito que o tempo curava tudo mas ela sabia que não curava porque ela já tinha esperado demasiado tempo, já tinha passado demasiado tempo e a cicatriz continuava lá, no mesmo local, a frida continuava aberta e a dor era a mesma, ela não percebia mas talvez o tempo fosse diferente para ela, talvez não passasse da mesma forma ou então era simplesmente injusto, como tudo o resto e mais uma vez ela encontrava inúmeras razões para acabar com aquilo e quando estava prestes a fazê-lo a outra razão, aquela razão abafava todas as outras, ela queria ir mas precisava de ficar porque ele também a amava.
Olhou para as mãos dormentes e pegou na lâmina, fez um leve corte no pulso e atirou-a para longe, nem chegou a sangrar, não era suficiente, o corte não era profundo, profundo como as razões que a levavam a fazer aquilo, profundo como a frida que tinha no peito.
Pensou em levantar-se e apanhá-la para finalmente terminar o que tinha começado mas não teve coragem porque pensou nele e pela primeira vez em muito tempo lembrou-se das coisas boas e esqueceu as más. Pegou numa folha de papel e tentou escrever-lhe um bilhete mas já não tinha força nas mãos, as pernas tremiam e os seus olhos estavam verdes como jade de tanto chorar, desistiu da ideia e apoiou os pés descalços na pedra fria do chão e levantou-se, levantou-se e abandonou aquele local, queria ir ter com ele mas sabia que ele não a ia ouvir, ela sabia que ele não a ia compreender e então sentou-se de novo, apenas uns metros mais à frente do local inicial e foi ai, foi ai que fez o segundo corte, o corte que decidiria finalmente que lado tomar, o certo ou o errado, a necessidade ou o capricho, a vida ou a morte.
Observou o rasgão na sua pele e admirou o liquido vermelho que por ela escorria, sentiu-se aliviada e mais uma vez, presa, continuava a ser ele a razão de tanta indecisão, continuava a ser ele a barreira o certo e o errado, a necessidade e o capricho, a vida e a morte.
De repente, ela sentiu-se a morrer, fechou os olhos e aos poucos foi percebendo, aquilo não era o certo, era o errado, aquilo não era a necessidade, era o capricho, aquela não era a vida, era a morte, ele sim, era o certo, a necessidade, a vida, ele sim, porque ele também a amava...